
Uma relação inflamada
Difícil encontrar alguém disposto a conversar sobre o crime do padre Hosana em Quipapá. Há quem acredite que ficar repetindo a história traz má sorte, além de constranger os parentes dos envolvidos. As poucas pessoas que conviveram com os protagonistas desta história acreditam que a tragédia poderia ter sido evitada, se não fosse a ação dos linguarudos do município. “Muito do que aconteceu foi culpa da língua do povo daqui. Diziam que ele tinha um caso com uma parente, mas não era verdade”, afirmou a poetisa Eri Luigi, 83 anos. Os boatos da época davam conta que o pároco mantinha um romance com uma prima, Maria José. A jovem morava com ele na casa paroquial, já teria feito um aborto e estaria esperando mais um filho do religioso. Devidamente informado pela população do desvio de conduta, dom Expedito exigiu que ele resolvesse a questão e deixasse a mulher. Maria José teria ido embora. Mas logo chegaram aos ouvidos do bispo a informação de que o padre arrumara uma substituta, de nome Quitéria.
Apesar dos vários relatos de troca de cartas entre o padre e suas amantes, onde estariam escritas confidências da vida a dois, os bilhetes sumiram. Eri Luigi, disse ter tido acesso, no passado, a algumas dessas correspondências, mas que nada havia de comprometedor. “Eu li muitas dessas cartas e ele era respeitador nelas. Não tinha nada disso, de caso”. Para ela, a má relação de Hosana com dom Expedito foi criada pela conjunção do disse-me-disse das beatas insatisfeitas com o temperamento forte e esquisito do padre, que algumas vezes viajava para sua fazenda no município de Correntes e deixava a população sem missa. O empresário Paulo Vieira, 70 anos, também aponta o fuxico da comunidade como estopim para a tragédia. “O que padre Hosana queria era que o bispo deixasse de dar ouvidos aos outros e soubesse da verdade aqui", disse. "O bispo também teve seus erros. O padre nunca teve mulher nenhuma. Isso só poderia acabar em coisa ruim”, lamentou. Viera era coroinha de Hosana naquele tempo e o descreveu como um “homem correto, de poucas palavras, mas de ação”. E também de atitudes intempestivas. Segundo alguns relatos, o pároco chegou a dar surras num vizinho bêbado que espancava as filhas e era agressivo com fieis. Ele ainda andava armado e atirava em cachorros que se aproximavam do seu cavalo, afirmam outros. Foi pelo conjunto da obra, e não apenas por seus romances, acreditam muitos, que dom Expedito, com aval do Vaticano, anunciaria na rádio a excomunhão de Hosana naquele 1º de julho.
O dia fatídico
“Naquele dia o padre celebrou uma missa muito dura contra dom Expedito. Logo depois, disse para o povo que logo mais eles teriam uma notícia vinda de Garanhuns sobre o bispo, mas ninguém esperava algo tão trágico. Foi um sofrimento muito grande para todos e, principalmente, para as duas cidades”, relembrou a religiosa Maria do Carmo Ferreira, 34 anos, sobre o episódio que o avô lhe contara várias vezes na infância. O pároco, sabendo da iminência da excomunhão que seria lida na Rádio Difusora, partiu de Quipapá com a ideia de também usar o microfone para se defender. Tomou o trem e, já em Garanhuns, seguiu de táxi para a rádio. Mas foi proibido de entrar e falar. Enfurecido, seguiu para a casa do bispo. Era perto das 18h30. “Dom Expedito tinha acabado de jantar quando bateram à porta. Assim que ele abriu, padre Hosana, sem dar uma palavra, disparou três vezes à queima roupa. Um tiro no braço e dois no tórax”, contou a missionária Terezinha Araújo Correia, 60 anos, atual curadora do Memorial Dom Expedito Lopes, localizado em Garanhuns. Tudo foi muito rápido. Hosana fugiu para o Mosteiro de São Bento, confessou o crime e pediu proteção de vida, já prevendo que seria caçado pelas autoridades. Enquanto isso, a agonia do bispo ganhava as ruas. Sem ambulância na cidade, ele foi transportado para o hospital na própria cama, colocada sobre uma caminhonete. Na unidade de saúde, recebeu apenas transfusões de sangue e depois de oito horas, já na madrugada do dia 2, morreu.
O nascimento de um mártir
Dom Expedito Lopes era o 5ª bispo da Diocese de Garanhuns e o que menos tempo ficou no posto. Em pouco mais de dois anos no cargo, foi assassinado. Mas também passou a ser aclamado como santo pela população. “A morte chamou muito a atenção das pessoas. Mesmo sabendo quem o feriu, ao invés de ficar revoltado, ele logo perdoou seu algoz. E no leito de morte pedia repetidamente que rezassem pelo padre Hosana”, comentou a missionária Terezinha. O sofrimento do bispo já era encarado como um ato de fé de um mártir e, desde então, passaram a dizer que ali estava um homem santo. Os relatos de milagres relacionados ao bispo logo começaram a aparecer. Entre eles, a de um dentista da cidade que acudiu o religioso baleado e teve as calças molhadas pelo sangue. As vestes foram guardadas e depois usadas como relíquia no difícil parto da esposa que corria risco de morte e se salvou. Mas o milagre mais famoso na época foi o de uma criança alagoana que atribuiu a cura de uma deficiência no pé à interseção do bispo. Pouco depois da morte, ainda na década de 50, as cartas de milagres que não paravam de chegar motivaram a abertura de um processo de canonização na Santa Sé. A religiosa Cândida Araújo, 87, velou a cabeceira da cama do bispo no hospital e é uma fervorosa defensora da santidade do bispo. “Tenho fé de que ainda verei dom Expedito no altar do Senhor.” A tesoureira da Cúria de Garanhuns, irmã Joelma Pinto, disse que o processo estava parado e foi reaberto em 2003, mas anda devagar. “Toda a parte que dependia de nós aqui no Brasil foi feita. Existe uma parte posterior que é feita em Roma e depende de termos uma pessoa lá, que tenha todas as competências necessárias para acompanhar o estudo e fazer a position, que é um documento com todos os fatos, virtudes e relatos de história de santidade dele”, explicou. Enquanto isso, o fervor na cidade não esmorece. “Ainda hoje as intenções de missas de agradecimento à intercessão de dom Expedito na Catedral continuam. São de três a cinco por mês, em agradecimento por graças alcançadas”, afirmou a missionária Terezinha.
COM INFORMAÇÕES E VÍDEO DA FOLHA DE PERNAMBUCO http://www.folhape.com.br/noticias/noticias/interior/2017/06/17/NWS,31423,70,704,NOTICIAS,2190-LIGADAS-POR-CRIME-GARANHUNS-PODE-TER-SANTO-QUIPAPA-VIVE-SOMBRA-VILAO.aspx
Fotos: Blog Década de 50 https://decadade50.blogspot.com.br/2006/09/o-crime-do-padre-hosan.html
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