Galerias ficaram lotadas nesta terça, 21 de novembro para acompanhar a audiência sobre ideologia de gênero na Câmara Municipal de Garanhuns |
A controvérsia sobre a ideologia de gênero e sua inserção ou não nas práticas pedagógicas em escolas de Garanhuns ganhou um novo capítulo nesta terça-feira, 21 de novembro. É que ontem foi realizada a segunda audiência pública na Câmara Municipal para debater o Projeto de Lei 086/87, de autoria do vereador Audálio Filho, que propõe a proibição do ensino de gênero nas escolas públicas e privadas do município. Os ânimos estavam acirrados e a plateia se manifestou várias vezes durante a fala dos convidados, cada lado defendendo suas convicções, como por exemplo, quando o vereador Gil PM, ao discursar, disse que a ideologia de gênero era coisa do satanás.
Primeira Audiência Pública para a discussão do Projeto de Lei do vereador Audálio Filho |
Participaram do debate na manhã de ontem vários segmentos da sociedade, tais como padres, pastores, psicólogos, professores, médicos, alunos e, é claro, os próprios vereadores. Nas galerias, que ficaram lotadas, a população escutou atentamente cada um dos debatedores pró e contra a iniciativa de Audálio. Usaram a tribuna, além dos vereadores e do autor do projeto, o assessor jurídico da câmara municipal, Lucicláudio Gois, a professora da Aesga, Isabela Barbosa, a professora da UFRPE, Monaliza Rios, o médico obstetra Antônio Alberto, a professora da UFRPE, Ana Pontes, o bispo de Garanhuns, Dom Paulo Jackson, a representante da sociedade civil, Alessandra Correia, o diretor do Colégio Diocesano, Padre Emerson, a professora da Rede Municipal de Ensino, Wilza Vitorino, o pastor da Igreja Kerigma, Reverendo Almir Alves, o representante do SINPRO, George Sanguinetto, a psicóloga Kilma Fidélix, além de representantes da Secretaria de Educação e da plateia presente.
Em conversa com o Portal V&C, logo após usar da palavra na audiência, o bispo diocesano de Garanhuns, Dom Paulo Jackson, relembrou a secular prática pedagógica da Igreja Católica, bem como as evangélicas no Brasil. Ele revelou ser solidário ao projeto de Audálio. "Nós nos solidarizamos e partimos do pressuposto de que Jesus é o princípio e o rosto da misericórdia do Pai. Portanto, como igrejas cristãs, nós acolhemos e amamos cada um dos filhos e filhas de Deus ,isso é princípio fundamental. Defendemos a família, defendemos que o ser humano tem uma identidade e que um ser não é simplesmente um projeto de construção social cultural. Por isso somos terminantemente contrários à inclusão de práticas pedagógicas, conteúdos, panfletos e livros que traduzam as práticas da chamada ideologia de gênero. Nós apoiamos o projeto, mas é preciso que se faça uma longa discussão sobre inclusão, acolhimento, tolerância e respeito às pessoas. Isso é o fundamento de nossa posição como Igreja Católica," frisou o bispo.
George Sanguinetto Sinpro |
Padre Emerson, diretor do Colégio Diocesano, também em conversa com o V&C, corroborou com as palavras do bispo diocesano sobre a posição da Igreja Católica acerca do tema discutido na audiência. Na visão do religioso, os católicos acreditam na família tradicional composta por pai, mãe e filhos. "Isso não é exclusivista não. Isso é sonho de Deus para a sociedade. Isso é direito natural. Agora eu posso
excluir o outro que tem experiência? Não, se não eu estou sendo contra o evangelho, e o senhor nos manda amar o diferente. Então a Igreja Católica é terminantemente contra a ideologia de gênero, o padre Emerson, também, mas lembrando que nós não podemos excluir a ninguém," finalizou o padre .
Representante da União da Juventude Socialista |
Uma jovem da União da Juventude Socialista também usou a palavra, já no final da audiência pública. Ela disse que o seu movimento é totalmente contra o projeto de lei do vereador Audálio. "Nós acreditamos que
ele fere, não só a Constituição pois não deve ser nem discutido nesta casa, mas também porque acreditamos na escola pública e na educação pública. Quando retirada as
questões de gênero, assim como outras questões como de raça, etnia e sexualidade de
dentro das escolas, nós estamos agredindo a juventude. Nós estamos agredindo a
sociedade. Nós acreditamos que a escola tem um papel fundamental em modificar o mundo
no qual vivemos. A União da Juventude Socialista é a maior juventude organizada Brasil, e uma
das maiores da América Latina e agrega movimento LGBT movimento estudantil, movimento negro, enfim,todo movimento social em defesa da sociedade e
defesa de mundo", salientou a jovem.
Uma evangélica que participou de uma das audiências sobre o assunto se mostrou preocupada com a discussão. Ela disse que as crianças não são um papel oficio em branco e que elas nascem meninos e meninas. "Não é a sociedade, nem a família que instrui a criança a ser menino ou menina. As crianças já nascem com seus hormônios que definem o homem e a mulher, portanto, não é uma ideologia que vai dizer que nossos filhos nascem neutros e que a cultura e o meio é que vai definir o sexo deles. Então como mãe e como seguidora de Jesus, me coloco contra a ideologia de gênero nas práticas pedagógicas nas escolas de Garanhuns", pontou a participante.
A professora da UFRPE, Ana Pontes, que participou das duas audiências na Câmara Municipal de Garanhuns, revelou em entrevista ao V&C que, do ponto de vista legal, o projeto de Audálio Filho foi proposto por uma falta de conhecimento do vereador sobre o sistema legal brasileiro. Segundo ela, todas as informações a respeito de educação no país e a escolha do que vai ser estudado nas escolas, tanto as proibições como as obrigatoriedades, são definidas pela Base Nacional Curricular Comum, feita através de intenso debate e de responsabilidade exclusiva da União. "Não é possível legislar municipalmente sobre algo de competência da União, portanto, essa lei é natimorta, já vai nascer, caso aprovada, fadada a morrer. Essa discussão é uma perda de tempo porque é algo que vai cair. A gente precisa orientar nossas crianças. O que nós queremos é que as crianças sejam orientadas pelos professores a se defender da violência. Ninguém esta falando em exercer a sexualidade, até porque criança não namora, criança não deve exercer a sexualidade. Se alguém insistir nesse caminho pode ser denunciado e criminalizado pelo ato. Seria melhor fazer projetos que prevenisse a violência contra as crianças. E outra. Se na escola tiver alguma criança que aparente alguma tendência a exercer a sua orientação sexual de maneira homossexual qual é a orientação correta? É muito simples, criança não namora, só adultos devem exercer sua sexualidade. A maioria dos abusos contra criança ocorrem dentro de casa e são denunciados no ambiente escolar. Se uma criança está sendo abusada pelo pai em casa e não pode falar sobre isso na escola por conta de alguma proibição, como essa que se propõe aqui, como ela vai denunciar o abuso? Por isso é preciso ter liberdade na escola para que nossas crianças falem sobre isso e sejam salvas", argumentou a professora.
LEI DE AUDÁLIO, CASO APROVADA, PODE SER DERRUBADA NO SUPREMO
Mesmo se aprovada pela maioria dos vereadores, a lei com a proibição do ensino de ideologia de gênero nas escolas de Garanhuns pode ser derrubada no STF. Em julgamento de um caso semelhante ao discutido atualmente na Câmara Municipal de Garanhuns, o ministro Luiz Roberto Barroso derrubou em caráter liminar a lei municipal de Paranaguá, no litoral do Paraná, que também proibia o ensino sobre questões de gênero e orientação sexual nas escolas daquele município. A decisão final caberá aos demais ministro da Alta Corte em votação no plenário, mas a postura de Barroso mostra uma tendência, tanto do Ministério Público, quanto da Justiça de se posicionar contra a tratativa desse assunto no âmbito da municipalidade. “Ao sonegar dos estudantes discussão sobre temas concernentes a sexualidade e a gênero, contribui -se para perpetuar a cultura de violência, tanto psicológica quanto física, contra vastas parcelas da população LGBT do País, com o que se distancia do objetivo constitucional de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, justificou o então Procurador Geral da República Rodrigo Janot, autor do processo enviado ao Supremo.
Luiz Roberto Barroso, ministro do STF |
Para o ministro Barroso, a lei é inconstitucional pois somente o Ministério da Educação (MEC) poderia legislar sobre o assunto. “Por óbvio, tratar de tais temas não implica pretender influenciar os alunos, praticar doutrinação sobre o assunto ou introduzir práticas sexuais. Significa ajudá-los a compreender a sexualidade e protegê-los contra a discriminação e a violência.” pontuou o ministro em sua decisão
Ao comentar a decisão de Barroso, o vereador Audálio Filho disse que a decisão do ministro foi em caráter cautelar e não é definitiva. "Eu acho que eles (os ministros) terão muito trabalho porque vai chover leis municipais como essa nossa. Acredito que isso vá se estender a todo o país pois é um movimento em defesa da família e o STF tem que ser sensível a isso. No Peru, a Suprema Corte retirou a ideologia das escolas depois de um milhão e meio de pessoas marcharem pela capital", disse o parlamentar.
O Projeto de Lei 086/2017 está aberto a emendas. A Comissão de Legislação e Justiça da Câmara Municipal de Garanhuns marcou para a próxima terça, 28 de novembro, a discussão interna para ouvir os seus membros. Em seguida, a proposta poderá ir à votação já na próxima quarta-feira, 29, ato contínuo ao exame na comissão. Para ser aprovado, o projeto precisa ter a maioria simples aferida em duas votações.
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