quarta-feira, 21 de agosto de 2019

PRESIDENTE PODE SANCIONAR OU VETAR LEI:Juízes, delegados, promotores e defensores públicos realizaram mobilização no Fórum de Garanhuns contra Lei de Abuso de Autoridade, aprovada pela Câmara Federal


Juízes, promotores de justiça, delegados e defensores públicos se reuniram na tarde desta terça-feira (20/08) no Fórum Ministro Eraldo Gueiros Leite, na Avenida Rui Barbosa, em Garanhuns, para protestar contra o Projeto de Lei nº 7.596/2017 , batizado de Lei de Abuso de Autoridade. O texto foi aprovado na Câmara Federal no último dia 14 de agosto e agora segue para a sanção do Presidente da República. Em entrevistas que vem dando, Bolsonaro afirmou que vai vetar alguns pontos do PL, mas não especificou quais. Já o ministro Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato, revelou durante uma visita a São Paulo que iria assessorar o presidente no sentido de fazer alguns vetos no projeto.

As mobilizações de ontem ocorreram em várias cidades do país. Fizeram parte do ato em Garanhuns, integrantes da Magistratura, Ministério Público e Polícias aqui do município e de algumas cidades da região. Para os organizadores da manifestação, o PL, se sancionado como está, pode colocar um freio e intimidar o trabalho de agentes públicos envolvidos no sistema investigativo do país. "Este é um momento em defesa das carreiras que combatem a corrupção e a criminalidade, portanto, a gente não vai se acuar. Não baixaremos nossas cabeças e acredito que as instituições envolvidas não vão se submeter a isso", frisou um policial que participou do encontro.
Dr. Enéas da Rocha de Oliveira

O juiz Enéas da Rocha de Oliveira, titular da 1ª Vara Civel de Garanhuns, participou da mobilização e afirmou ser contra a aprovação da lei. Ele disse que o objetivo do ato de protesto foi discutir o polêmico projeto de lei aprovado pela Câmara, e enviado a sanção ou ao veto do presidente da República. Dr. Eneas ainda pontuou que a aprovação da proposta foi muito rápida e pouco discutida. Para o magistrado, as discussões deveriam ter sido feitas de maneira mais aberta à população. "No meu entender o regimento da Câmara foi atropelado. Agora é esperar a decisão do Presidente da República, que pode vetar, sancionar, ou vetar parcialmente a nova lei. Temos a sensação que o texto causa intimidação, principalmente aos órgãos de investigação. Há alguns pontos que transformaram algo que poderia ser resolvido com um procedimento administrativo simples em crime.  A lei, se aprovada, pode provocar pressão sobre o judiciário para não levar a fundo determinadas questões trazidas à Justiça e isso não é bom'. disse Enéas em entrevista ao Portal V&C
Juiz Lucas Tavares Coutinho (ao centro) durante mobilização no fórum Ministro Eraldo Gueiros Leite

Para o juiz Lucas Tavares Coutinho, titular da Vara Única da Comarca de Águas Belas, a lei deveria ser totalmente vetada pelo presidente. Ele falou com o Portal V&C enquanto participava da mobilização de ontem no Fórum de Garanhuns. "O projeto de lei que trata do abuso de autoridade contém um vicio formal em sua criação, contestado no STF pelo Partido Novo, quando houve uma votação simbólica, ao invés de nominal. Além da inconstitucionalidade formal, notamos uma inconstitucionalidade material na proposta quando ela traz tipos penais abertos subjetivos e querendo, via obliqua, trazer um crime de hermenêutica", disse o magistrado. 
Juiz Lucas Tavares Coutinho

Lucas Coutinho elencou como um dos itens mais polêmicos, o Artigo 9º do PL nº 85/2017:"Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de: I – relaxar a prisão manifestamente ilegal; II – substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou concede liberdade provisória, quando manifestamente cabível". Para o juiz, esse artigo atinge diretamente os magistrados. "Direito não é ciência exata, não é matemática ou engenharia. Os juízes têm entendimentos diferentes. O que um colega entende pode ser diferente do outro e do próprio tribunal superior. Nossas decisões já devem ser fundamentadas. O juiz não prende por prender, ele prende baseado na lei e essa é uma legislação que visa coagir as autoridades que lidam com as investigações de crimes. Não é cabível que tenhamos que responder por um crime apenas por desempenhar de forma correta nossas atribuições," argumentou.


Delegado Patrick Dias

DELEGADO COMENTA NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

A obrigatoriedade de identificação do policial perante o preso no momento da detenção
Um dos artigos mais polêmicos do  PL 7596/2017 (Nova Lei do Abuso de Autoridade) é o 16º que mexe especificamente com o agente público que está na ponta da linha do sistema investigativo do país: Os policiais. São eles que executam as prisões e entregam os presos à Justiça. O referido artigo diz que é crime o policial não se identificar no momento da captura da pessoa a ser presa, mas, muitos veem nisso um risco à própria segurança do agente público.      

Para Patrick Dias, delegado de Capoeiras, o Artigo 16 do PL é uma clara tentativa de embaraçar a ação de policial no cumprimento de seu dever legal, pois busca criar circunstâncias para puní-lo por exercer suas funções. "Já há no Código de Processo Penal a obrigatoriedade da identificação do condutor na nota de culpa que deve ser entregue ao preso em até 24h de sua prisão, sob pena de nulidade do ato. Não é razoável exigir que o policial abra mão do elemento surpresa na execução de uma prisão, o que tem por objetivo impedir a reação ou tentativa de fuga, visando assim a garantia da integridade física do cidadão a ser preso, bem como dos agentes públicos que participam do ato", frisou o policial em conversa com o Portal V&C. 

Ainda segundo o delegado de Capoeiras, o texto do Artigo 16 também permite interpretações absurdas, como punir um policial que use de uma história cobertura, ou na linguagem popular, de um disfarce, para executar uma prisão, pois, baseado no PL, estaria "mentindo" sobre sua identidade para se aproximar com segurança da pessoa a ser presa. 

A limitação do uso de algemas
Patrick também comentou sobre outro ponto polêmico do PL, que é o uso de algemas. De acordo com o Artigo 17º, é  prevista uma pena de seis meses a dois anos ao agente que submeter o preso, internado ou apreendido ao uso de algemas ou de qualquer outro objeto que lhe restrinja o movimento dos membros, quando manifestamente não houver resistência à prisão. Atualmente esse procedimento é regulado pela Súmula Vinculante nº 11, do STF. Ela traz em seu texto a expressão "fundado receio" que dá ao policial que efetua a prisão, a discricionariedade em fazer uso de algemas, considerando a periculosidade da pessoa presa para a preservação da integridade física do conduzido e dos agentes públicos. "Imaginemos uma cena mais grave: o preso sendo conduzido sem algemas, num rompante, consegue sacar a arma da cintura de um policial, o que pode resultar na morte desse policial, de terceiros ou mesmo do próprio preso, pois gera a necessidade do uso de força letal para sua contenção. Muitos de nós já vimos diversos vídeos que circulam nas redes sociais em que o resultado comumente é trágico", disse o delegado.


ESPECIALISTA EM DIREITO CONSTITUCIONAL FAZ CRÍTICA  CONTUNDENTE AO PROJETO DE LEI
Advogado George
Martins Barros

Outro que se posiciona duramente contra o PL de Abuso de Autoridade é o especialista em Direito  Constitucional George Martins Barros. Segundo ele, o projeto visa única e exclusivamente coagir as autoridades policiais e judiciárias psicologicamente a realizarem as suas atividades com receio de serem responsabilizados criminalmente. "O PL aprovado na Câmara na última quarta, 14 de agosto, e que espero que o presidente vete, não tem intenção nenhuma de proibir abusos, até porque, a maioria dos crimes listados ali são meras irregularidades administrativas, que poderiam ser resolvidas através de um processo administrativo disciplinar. Nada mais é que uma coação moral pra que os agentes tenham o seu trabalho dificultado em relação aos poderosos, àqueles criminosos do colarinho branco, que tiveram o seu ego machucado com a eficiência da operação Lava-jato. A insegurança jurídica é gritante e se os processos já eram lentos, agora vai ser pior, porque qualquer irregularidade, por menor que seja, vai dar margem pro advogado pleitear a nulidade da ação. Onde já se viu proibir interrogatório no período noturno? Além disso, o projeto replica vários crimes que já existem no Código Penal", argumentou o jurista em contato via telefônico com o Portal V&C.

Deputado Ricardo Barros, relator
do Projeto de Abuso de Autoridade

RELATOR DO PROJETO DIZ QUE NOVA LEI NÃO MERECE VETOS.
O relator do projeto de lei de abuso de autoridade na Câmara Federal foi o deputado Ricardo Barros, (PP-PR). Para ele, o texto não merece vetos. O parlamentar acredita que o presidente Bolsonaro manifestará apenas um veto à lei.(Uso de algemas) "As normas recém-aprovadas pelo Legislativo devem ser lidas à luz da Constituição Federal, dos princípios gerais do Direito e das disposições gerais do projeto. Isso implica afirmar, por exemplo, que não caberá interpretação que viole os princípios constitucionais da independência funcional de magistrados e membros do Ministério Público, do juiz natural e da motivação das decisões judiciais", frisou Barros. 

Ainda segundo o deputado,  o primeiro ponto é que, para a punição ocorrer, deverá haver comprovação de que o agente atuou com dolo específico de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. "Sendo assim, o agente só poderá ser condenado por qualquer crime previsto na nova lei se existir prova de que a autoridade praticou o ato imbuída deste propósito específico. Jamais se quis frear o combate à corrupção e à criminalidade. O que se pretende é que todos aqueles que exercem parte do poder que a sociedade delega ao Estado o façam com responsabilidade, em prol da própria sociedade. Causa estranheza que uma pequena parte dos membros das carreiras do Judiciário e do Ministério Público se insurja contra a nova lei. Por qual razão deveriam temer as novas regras, se eles mesmos serão os seus principais intérpretes e aplicadores?", pontou Ricardo Barros em uma entrevista dada nesta quarta-feira, 20 de agosto, ao Jornal Gazeta do Povo. CLIQUE AQUI E VEJA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA

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