Decisão TJPE PEÇA

1ª CÂMARA REGIONAL DE CARUARU – 2ª TURMA
AGRAVO DE INSTRUMENTO - PJE - Nº 0008547-20.2018.8.17.9000
COMARCA: Garanhuns/PE – Vara da Fazenda Pública
AGRAVANTE: Ministério Público do Estado de Pernambuco
AGRAVADOS: Estado de Pernambuco e o Município de Garanhuns

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco contra a decisão interlocutória proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública de Garanhuns, que indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência, formulado nos autos da Ação Civil Pública nº
0003751-54.2018.8.17.2640.

Na inicial, o autor requereu que fosse determinado ao Estado de Pernambuco que reincluísse, em 24
horas, na grade de programação do FIG/2018 - “Um viva à liberdade!” - a apresentação da peça teatral O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, prevista para o dia 26/7, voltada para um público adulto, às 23h, conforme informaram a Secretaria Estadual de Cultura, e a Fundarpe, determinando-se também ao Estado e ao Município que diligenciem para estimular o diálogo entre os produtores da peça e os demais parceiros e a população em geral, desfazendo mal-entendidos e preconceitos, e garantindo a segurança necessária à referida apresentação.

Insatisfeito com a decisão, o Ministério Público do Estado de Pernambuco interpôs o presente agravo de instrumento, pugnando pela revogação da decisão vergastada, sob o fundamento de que: a) o Poder Público teria extrapolado os limites da discricionariedade administrativa; b) o julgador utilizou-se de conceito jurídico indeterminado (sentimento religioso) para justificar o indeferimento da tutela colimada, sem explicar, contudo, o motivo concreto de sua incidência no caso; c) a necessidade de ponderação dos princípios do sentimento religioso, da liberdade de expressão e da discricionariedade administrativa. Eis, suscintamente, o relatório.

DECIDO.
Agravo regular e tempestivo, cabível em face de decisão atacada[1], encontrando-se presentes os demais requisitos de admissibilidade. Nos termos do artigo 1.019 do Código Processual Civil, pode o Relator atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal. 

A antecipação de tutela recursal, por ser medida excepcional, pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: possibilidade de lesão grave de difícil ou incerta reparação e probabilidade de provimento do recurso.

Inicialmente, destaco que, para a concessão da tutela de urgência há a necessidade da existência dos
elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 300). A análise perfunctória, ínsita a esta fase processual, permite-me concluir que existem nos autos elementos aptos a demonstrar a probabilidade do direito do ora agravante.

Da questão de fundo constitucional
O princípio da liberdade de expressão, previsto no art. 5º, incisos IV e IX, da Constituição Federal,
consiste, segundo Celso BASTOS, no “direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento. É o direito de não ser impedido de exprimir-se. Ao titular da liberdade de expressão é conferido o poder de agir, pelo qual contará com a abstenção ou com a não interferência de quem quer que seja no exercício de seu direito.”[2]

O festejado doutrinador Marcelo Novelino acerca do âmbito de proteção do aludido princípio destaca que:

O homem não se contenta apenas em ter suas próprias opiniões. Ele quer expressá-las e, não raro,
convencer os outros de suas ideias. As convicções íntimas podem existir independentemente do Direito, mas a liberdade para exteriorizar suas ideias e opiniões pessoais necessita de proteção jurídica. A liberdade de manifestação do pensamento impede que o Poder Público estabeleça punições para os que rejeitam opiniões amplamente aceitas ou censure discursos não aprovados pelo governo.”[3]

Infere-se, portanto, que toda forma de expressão do pensamento, desde que compatível com o texto
constitucional, decorre do princípio da liberdade de manifestação, não cabendo ao Poder Público
promover censura prévia no exercício de tal liberdade pública, sob pena de esvaziar o próprio Estado
Democrático de Direito.

Nesse sentido, calha destacar decisão do Pretório Excelso sobre a conhecida “Marcha da Maconha”, na qual restou consignada a relevância do princípio da livre manifestação do pensamento e seus correlatos:

"Marcha da Maconha". Manifestação legítima, por cidadãos da República, de duas liberdades individuais revestidas de caráter fundamental: o direito de reunião (liberdade-meio) e o direito à livre expressão do pensamento (liberdade-fim). (...) Vinculação de caráter instrumental entre a liberdade de reunião e a liberdade de manifestação do pensamento. (...) A liberdade de expressão como um dos mais preciosos privilégios dos cidadãos em uma república fundada em bases democráticas. O direito à livre manifestação do pensamento: núcleo de que se irradiam os direitos de crítica, de protesto, de
discordância e de livre circulação de ideias. Abolição penal (abolitio criminis) de determinadas condutas puníveis. Debate que não se confunde com incitação à prática de delito nem se identifica com apologia de fato criminoso. Discussão que deve ser realizada de forma racional, com respeito entre interlocutores e sem possibilidade legítima de repressão estatal, ainda que as ideias propostas possam ser consideradas, pela maioria, estranhas, insuportáveis, extravagantes, audaciosas ou inaceitáveis. O sentido de alteridade do direito à livre expressão e o respeito às ideias que conflitem com o pensamento e os valores dominantes no meio social. Caráter não absoluto de referida liberdade fundamental 

(CF, art. 5º, IV, V e X; Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 13, § 5º). A proteção constitucional à liberdade de pensamento como salvaguarda não apenas das ideias e propostas prevalecentes no âmbito social, mas, sobretudo, como amparo eficiente às posições que divergem, ainda que radicalmente, das concepções predominantes em dado momento histórico-cultural, no âmbito das a supressão, a frustração ou a aniquilação de direitos fundamentais, como o livre exercício do direito de reunião e a prática legítima da liberdade de expressão, sob pena de comprometimento da
concepção material de democracia constitucional. A função contramajoritária da jurisdição constitucional no Estado Democrático de Direito. Inadmissibilidade da "proibição estatal do dissenso". Necessário respeito ao discurso antagônico no contexto da sociedade civil compreendida como espaço privilegiado que deve valorizar o conceito de "livre mercado de ideias". O sentido da existência do free marketplace of ideas como elemento fundamental e inerente ao regime democrático (AC 2.695 MC/RS, rel. min. Celso de Mello). A importância do conteúdo argumentativo do discurso fundado em convicções divergentes. A livre circulação de ideias como signo identificador das sociedades abertas, cuja natureza não se revela compatível com a repressão ao dissenso e que estimula a construção de espaços de liberdade em obséquio ao sentido democrático que anima as instituições da República.

As plurissignificações do art. 287 do CP: necessidade de interpretar esse preceito legal em harmonia com as liberdades fundamentais de reunião, de expressão e de petição. Legitimidade da utilização da técnica da interpretação conforme à Constituição nos casos em que o ato estatal tenha conteúdo polissêmico. [ADPF 187, rel. min. Celso de Mello, j. 15-6-2011, P, DJE de 29-5-2014.]
 Vide ADI 4.274, rel. min. Ayres Britto, j. 23-11-2011, P, DJE de 2-5-2012

Consoante se vê dos autos, a peça teatral, previamente escolhida através de seleção pública, foi descartada do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG 2018), sob o pretexto de atender manifestações cívicas contrárias à execução do espetáculo.

Ora, se é certo que a peça decorre do gozo de liberdade de expressão artística (art. 5º, IX, da CF),
afigura-se proibido ao Poder Público promover ainda que indiretamente uma censura prévia ao
espetáculo, para atender um suposto sentimento religioso da sociedade local, porquanto vedada toda e
qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística (art. 220, § 2º da CF).
Nesse sentido também já se pronunciou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena liberdade de atuação da imprensa,
porquanto fala: a) que os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento, criação,
expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte
físico ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela própria, Constituição. (...) O art. 220 é de instantânea observância quanto ao desfrute das liberdades de pensamento, criação, expressão e informação que, de alguma forma, se
veiculem pelos órgãos de comunicação social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes incisos do art. 5º da mesma CF: vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de informação, quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de calibração temporal ou cronológica na empírica incidência desses dois blocos de dispositivos constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o gozo dos sobredireitos" de personalidade em que se traduz a "livre" e "plena" manifestação do pensamento, da criação e da informação. Somente depois é que se passa a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, ainda que também densificadores da personalidade humana. Determinação constitucional de momentânea paralisia à inviolabilidade de certas categorias de direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo de comunicação social. Com o que a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa. (...) Incompatibilidade material insuperável entre a Lei
5.250/1967 e a Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País.

[ADPF 130, rel. min. Ayres Britto, j. 30-4-2009, P, DJE de 6-11-2009.]
Vide ADI 4.451 MC-REF, rel. min. Ayres Britto, j. 2-9-2010, P, DJE de 24-8-2012
Vide Rcl 22.328, rel. min. Roberto Barroso, j. 6-3-2018, 1ªT, Informativo 893
Saliente-se que a peça que ora se pretende a exibição já foi objeto de prévias restrições que acarretaram na
atuação do Judiciário:

DECISÃO ULTRA PETITA - Nulidade de decisão - Rejeição - Interpretação do pedido que
deve levar em conta o conjunto da postulação - Agravada que requereu no final de sua peça inicial
a concessão de liminar a fim de que a ré se abstenha de apresentar a peça “O Evangelho
Segundo Jesus, Rainha do Céu” sem especificar data - Preliminar rejeitada.

OBRIGAÇÃO DE FAZER - Deferimento da tutela provisória com o objetivo de obstar a apresentação da peça “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” - Inconformismo do réu - Acolhimento -

Proibição da exibição da peça que viola a atividade artística prevista no art. 5º, inc. IX, da
Carta Magna - Peça que tem caráter ficcional e objetiva fomentar o debate sobre
os transgêneros sem ultrajar a Fé Cristã - Decisão reformada - Recurso provido.
(TJSP – Agravo de Instrumento nº 2180296-90.2017.8.26.0000. Relator: Des. J. L. Mônaco da Silva,
julgado em 19/02/2018).


DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Processo nº: 0566408-05.2017.8.05.0001
Classe Assunto: Procedimento Comum - Direito de Imagem Autor: Alexandre Santa Rosa Oliveira e
outros Réu: FUNDACAO GREGORIO DE MATOS
Vistos etc.
(...)

As partes autoras suscitaram na peça vestibular, em síntese, que o réu pôs em cartaz para as datas de
26.10.2017 e 27.10.2017, ambos com início as 20:00, a apresentação de uma peça teatral cujo tema é: "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu"; que a peça referia-se a um monólogo em que
Jesus Cristo (filho de Deus bíblico), estaria vivendo em dias atuais e que ele seria uma
mulher transgênero; que a peça revelou ainda, que eram histórias bíblicas conhecidas, mas que
foram recontadas em uma perspectiva "contemporânea”, propondo uma reflexão sobre a
intolerância sofrida por transgêneros e minorias em geral; que a questão da identidade travesti era
elemento chave do espetáculo; esclareceu que a peça era atentatória a dignidade à fé cristã/católica e
todos aqueles que acreditaram e respeitaram Jesus como filho do Deus criador do universo, sem que
olvidasse ainda o personagem histórico que ele representou e sua filosofia de vida em suas
palavras; salientou ainda que tal peça teatral era extremamente ofensiva a moral da humanidade que era em sua grande maioria crente no homem JESUS como filho de Deus e grande personagem histórico do mundo, tal qual foi, BUDA, MAOMÉ, GANDHY, e outros grandes expoentes da história que deixaram legado para a humanidade; que a divulgação do evento informava que se o
Cristo estivesse presente em nosso meio nos dias hodiernos ele seria um transgênero; que expôs ao
 ridículo os símbolos nacionalmente encontrados, como a cruz e o próprio homem; que a peça
 incitou crime de ódio e feriu a liberdade e a dignidade humana; que o artigo 5.º da
 Constituição Federal previu o direito à liberdade religiosa, somado ao artigo 208 do Código Penal que definiu os parâmetros de liberdade no tratamento desse tema; que configuração do crime era previsto no  art. 20, § 2º, da Lei N.º 7.716/89 (Lei Caó), que pressupôs violação aos limites impostos à liberdade de manifestação religiosa e à liberdade de expressão; que a parte acionada violou o art..208 DO CP; as partes acionantes ponderaram no sentido do dever do Estado tutelar por ordem constitucional expressa no art. 5.º, inciso VI, da Constituição Federal, a qual dispõe que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religioso se garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias”; que presentes estavam os requisitos para a concessão da tutela provisória de urgência antecipada; e as partes autoras solicitaram que a parte ré se abstivesse de promover a realização do evento nos dias 26 de outubro de 2017 e 27 de outubro de 2017.

Decido.
(...)
Ao fazermos um juízo de valor cauteloso, prudente e provisório em relação aos documentos de
fls.23/24, na qual especificou os dias da apresentação da peça, chega-se a ilação de que,
provavelmente, as partes suplicantes se encontram em situação de prejuízo nos seus
interesses jurídicos. O princípio da laicidade comporta o respeito de toda confissão religiosa por
parte do Estado. Laicidade, corretamente entendida, significa que o Estado deve
proteger amplamente a liberdade religiosa tanto em sua dimensão pessoal como social, e não
impor, por meio de leis e decretos, nenhuma verdade especificamente religiosa ou filosófica, mas
elaborar as leis com base nas verdades morais naturais. O fundamento do direito à
liberdade religiosa se encontra na própria dignidade da pessoa humana. Um Estado não deve
tenta impedir a vivência religiosa do povo, especialmente o Cristianismo, com uma ação hostil ao
fenômeno religioso e a tentativa de encerrá-lo unicamente na esfera privada. Ao que parece a
parte acionada desrespeitou o princípio constitucional no art. 5.º, inciso VI, da
Constituição Federal a qual dispõe que “é inviolável a liberdade de consciência e de
crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religioso se garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e as suas liturgias” . Compreendo que não se pode
tentar, assim, eliminar os símbolos/crenças religiosos mais tradicionais do povo, com
narrativas debochadas e fantasiosas, como que lhe arrancando as raízes.
(...)
Salvador-BA, 27 de outubro de 2017. PAULO ALBIANI ALVES - JUIZ DE DIREITO -
Num. 4416068 -

Da aplicação dos tratados internacionais à matéria
 A liberdade de expressão é tema cuja análise não pode ser dissociada dos elementos normativos
internacionais dos quais a República Federativa do Brasil é adotante, como a Declaração Universal dos direitos Humanos de 1948 (art. 19), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 19) e a convenção Americana Sobre Direitos Humanos (art. 13).
Consta deste último diploma internacional, denominado também de Pacto de San José da Costa Rica, no art. 13, o seguinte dispositivo:

“I. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a
liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de
fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro
processo de sua escolha.

II. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a
responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para
assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

III. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de
controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

IV. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de
regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto
no inciso 2.

V. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional,
racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.”
Destaque-se que, conquanto sejam admitidas limitações à referida liberdade individual – por meio da
técnica da ponderação, o exercício do direito previsto no aludido artigo não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, através de lei, conforme disposto no inciso II do art. 13 do referido Tratado.

Sobre o caso específico dos espetáculos públicos, há, como se pode observar, expressa disposição acerca da excepcional possibilidade de censura prévia, todavia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso aos referidos espetáculos e para proteção moral da infância e da adolescência, o que não é o caso dos autos.

Outrossim, no caso concreto não se vislumbra a hipótese prevista no inciso V, pois não resta evidenciada incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência - muito pelo contrário. 

Como se observa de anteriores decisões a respeito do próprio espetáculo, a obra destina-se a propalar a necessidade de inclusão na sociedade de grupos LGBT, propondo reflexão a respeito dos princípios cristãos, possuindo nítido caráter ficcional.

Portanto, a prevalecer o entendimento da decisão agravada, os expoentes da nossa cultura não teriam
liberdade de criar as suas obras para que o público pudesse deleitá-las, estando sujeitos à vedada e prévia Censura estatal, ainda que por meio indireto, eis que retirada igualdade de tratamento na oferta do espetáculo ao público, por meio do cancelamento de qualquer tipo de subvenção, inclusive econômica. Tal posicionamento colide frontalmente com os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, e fere os contornos universais do direito à liberdade de expressão.

Do mérito administrativo
É sabido que o Poder Judiciário, dentro de sua competência de fiscalizar a atuação da Administração,
pode adentrar na análise do mérito administrativo, a fim de garantir a observância das leis e dos princípios que regem os atos administrativos.

A Lei Estadual nº 11.781, de 06.06.2000, que regulamenta o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Estadual, estabelece:

“Art. 2º - A Administração Púbica Estadual obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade,
finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, impessoalidade e interesse público.
............................................................................................................omissis
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos
jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III - decidam processos administrativos de concurso, licitações ou seleção pública;
............................................................................................................omissis
VIII - importem em anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância
com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão
parte integrante do ato.”
A decisão administrativa que excluiu a peça teatral ora sob análise pressupôs um juízo de conveniência e
oportunidade por parte do administrador. A utilização dessa prerrogativa administrativa deve privilegiar
razões de interesse público, pertinentes e suficientes para justificar tal conduta.

Veja-se que os atos discricionários da Administração estão sujeitos ao controle pelo Judiciário quanto à legalidade formal e substancial, cabendo observar os motivos embasadores dos atos administrativos que vinculam a Administração, conferindo-lhes legitimidade e validade. (STJ, AgRg no REsp 1280729/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 10/04/2012, p. DJe 19/04/2012.)
A propósito, cabe trazer a lume os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, que a respeito do tema assim se manifestou:

"Assim como ao Judiciário compete fulminar todo o comportamento ilegítimo da Administração que
apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer
comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária."[4]

Ora, o caso sob exame trata de convite da Administração devidamente aceito pela produção da peça
teatral. Havendo a divulgação do calendário e das suas atrações, pressupõe-se que esse ato administrativo atendeu aos princípios do interesse público e da impessoalidade, porquanto tal peça se mostrou adequada à proposta do festival, cujo lema é “Um viva à liberdade!” A atração nada mais é do que um drama teatral, que busca conscientizar e estimular a reflexão sobre a
discriminação social de uma minoria, especialmente das transexuais e travestis.

O “forte clima de intolerância que se estabeleceu nas redes sociais” e a “reação da Prefeitura de
Garanhuns e da Diocese”, conforme ressaltado na justificativa da FUNDARPE (id 4402971) não é
motivo suficiente para excluir da programação do festival a peça teatral ora sob exame.
A exclusão da apresentação prévia e regularmente selecionada pela curadoria responsável por aprovar a programação do festival demonstra um comportamento contraditório da administração (venire contra factum proprium) vedado pelo ordenamento jurídico, máxime porque se anteriormente a peça já havia sido incluída na programação do FIG/2018 por atender aos critérios estabelecidos no edital, não poderia o Poder Público, de forma contraditória, sem justa motivação, excluí-la das festividades.
Não seria o caso, frise-se, de aplicação do art. 49 da Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/93), consoante justifica a Administração Pública (id 4402971), porque, para tanto, a revogação do ato administrativo se pautaria por razões de interesse público, por fato superveniente e devidamente comprovado. Verifica-se, no entanto, que tal não é o caso dos autos: inexistiu motivação idônea para o cancelamento do convite e tampouco houve fato superveniente apto a justificar tal conduta. Some-se a isso o fato de que não se trata de licitação propriamente dita, o que reforça o afastamento do referido dispositivo legal.

A decisão administrativa violou os princípios da motivação, da ampla defesa e do contraditório, pois
sequer foi dada oportunidade aos produtores do evento teatral de manifestarem-se acerca de tal exclusão. Houve, de fato, uma aplicação sumária do tribunal das redes sociais, dominado por setores barulhentos da sociedade, mas que não necessariamente reflete o pensamento da maioria. Por outro lado, o perigo pela demora na prestação jurisdicional é evidente, eis que a data do agendamento inicial da peça teatral se avizinha (dia 26/07/2018), não podendo aguardar-se pela manifestação da parte contrária, uma vez que tal postergação poderá tornar inútil a apreciação do pleito recursal.


Ante todo o exposto, convencido da ilegalidade da decisão administrativa, DEFIRO O PEDIDO DE
ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA RECURSAL, determinando ao Estado de
Pernambuco que reinclua, em até 24 horas, na grade de programação do FIG/2018 - “Um viva à liberdade!” – a peça teatral “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu” regularmente selecionada, que estava prevista para o dia 26/07/2018, para um público adulto, às 23h, garantindo ainda toda a segurança necessária a consecução do evento, bem como que o Município de Garanhuns se abstenha de embaraçar o cumprimento da presente tutela.



Fixo desde já multa no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) pelo descumprimento da presente decisão.




Oficie-se ao Juízo de origem com urgência, comunicando o teor desta decisão.

Cópia da presente decisão servirá como OFÍCIO.
Intimem-se os agravados, com a máxima urgência, para: a) cumprirem o presente decisum de forma imediata; b) no prazo legal, apresentarem contrarrazões.
Em seguida, intime-se o Ministério Público nos moldes do artigo 1.019, III, CPC.
Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.

Caruaru, 24 de julho de 2018.

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