Fábio Vidal dá vida à Joelma e potencializa, nos palcos, vozes de pessoas socialmente excluídas - |
Projeto nascido de um documentário dirigido por Edson Bastos (também responsável pela adaptação para o teatro), Joelma é um espetáculo construído a partir de metonímias. A personagem principal parece estar sempre em um limiar entre o nosso mundo e um outro, inventado por ela, com suas treze almas e santos protetores. Os santos que a protegeram no difícil trajeto de se tornar aquilo que já era por dentro: mulher. Esse entre-lugar habitado pela personagem, que é baseada em uma figura real, é também um reflexo da condição dos LGBTTIs (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e intersexuais) no mundo. A desorganização ao binarismo de gênero e sexualidade ainda representa perigo para a sociedade machista e homofóbica.
“Tenho a sensação de que estamos no momento certo. Tenho 42 anos e só agora percebo essa confluência, esse momento pulsante no teatro, música, cinema, na arte em geral, para brigar pela afirmação das diferenças, o respeito ao direito do outro de viver sua verdade. E Joelma é sobre isso, essa busca por ser quem se é. Não queremos reduzir a personagem à sua transexualidade. Queremos que o público se aproxime da pessoa que ela é e perceba a multiplicidade de cada ser humano”, afirma Fábio.
Ovacionado pelo público garanhuense, que lotou o Teatro, Fábio diz que até hoje só teve uma experiência de “rejeição” do espetáculo, mesmo já tendo se apresentado em muitas cidades do interior. “A única vez em que tivemos algum tipo de resposta negativa foi em Iguatu (CE), quando mais da metade do público deixou o espetáculo. Porém, acho que isso se deve mais ao fato de a peça mexer com símbolos religiosos do que pela questão de gênero e sexualidade em si. Aqui em Garanhuns a resposta foi linda, fiquei muito feliz”, acredita.
Na plateia do espetáculo, algumas transexuais. Poucas, no entanto. Fábio reconhece que este ainda é um problema decorrente da transfobia que faz do Brasil a nação que mais mata LGBTTIs no mundo. “As transexuais e travestis ainda são obrigadas a viver em guetos. Seja em uma grande metrópole ou em uma cidade do interior, ainda somos muito provincianos. As pessoas param, olham, comentam, excluem. Conquistamos muito, mas ainda há bastante a ser feito em relação à afirmação desses espaços”, completa.
A garanhuense Apolo (que ainda se reconhece pelo nome masculino por ser “o que todo mundo conhece”) foi uma das transexuais que prestigiaram a apresentação. Com visual exuberante que contrastava com a sobriedade dos que a cercavam, ela afirmou ter se identificado muito com as questões levadas à cena, principalmente com o sentimento de não pertencimento em uma sociedade que insiste em negar sua existência. “Sou estudante de Letras e trabalho em uma escola. Lá, não posso ser eu, não posso me vestir como gosto ou me identifico. Isso é muito doloroso, uma pequena morte. Mas, em todas as oportunidades que tenho, seja para ir à padaria ou, como agora, em um momento de festa, de cultura, faço questão de me impor, de não me cercear. Porém o medo existe. Tenho medo constantemente. Estou com medo agora, mas não vou deixar de ser quem eu sou. A gente tem que persistir, ocupar os espaços públicos e privados”, reforça a estudante.
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