sexta-feira, 11 de agosto de 2017

O Caso dos Três Canibais


Texto extraído do Blog do Noblat

Era só mais um caso de uso irregular de cartões de crédito. As câmaras da Chico Bijuterias revelaram Jorge Beltrão como principal suspeito. Numa compra de cinco reais. Em 11 de abril de 2012, o delegado Wesley Fernandes de Oliveira dirigiu-se à casa dele com um mandado de busca e apreensão. Chegou lá e encontrou, no pequeno terraço da frente, apenas uma menina que nem seis anos tinha. Disse “bom dia”. Silêncio. Foi até mais perto. Alisou aqueles cabelos mal penteados e perguntou onde estava seu pai. “Saiu”. O delegado mostrou foto de mulher, a dona do cartão, e perguntou se conhecia. “Painho mandou ela pro inferno”. Agora foi ele quem ficou mudo. A criança continuou: “Você quer ver a cabeça dela?”. Disse isso, pôs a boneca de lado e foi até o quintal. Nos fundos da casa. E apontou, com o dedinho, onde foi enterrada: “Está aqui”.

A cena se passou em Garanhuns, agreste meridional de Pernambuco. A 230 quilômetros do Recife. A cidade foi palco das três maiores tragédias já ocorridas no estado. Como se fosse maldição. O primeiro caso se deu há 100 anos, em 14 de janeiro de 1917. É conhecido, nos livros de História, como “A Hecatombe de Garanhuns”. Informada que seu marido – e prefeito eleito de Garanhuns –, Júlio Brasileiro, havia sido assassinado no Recife, a viúva, Ana Duperron, avisou que não receberia pêsames. E disse palavras ainda hoje lembradas: “Não derramarei nenhuma lágrima, se as outras não derramarem. E só vestirei luto depois que as outras vestirem”. Prenunciando mais viúvas que, por mãos dela, em breve seriam suas companheiras de infortúnio. [...] Inimigos políticos na cidade, 18, acabaram mortos na cadeia pública. [...] Nessa noite, a viúva Duperron se vestiu de preto. Fez o velório de seu marido. E chorou por muitos dias.


O segundo caso começou há 70 anos. Quando o bispo de Garanhuns, dom Francisco Expedito Lopes, deu ordens a um padre namorador de sua jurisdição, Hosana de Siqueira e Silva. Para desalojar, de sua casa, uma prima – ou sobrinha, ou protegida, ou lá o que fosse – por ele sustentada, Maria José Martins. Manda quem pode. O padre fez o que lhe mandaram. Obedece quem tem juízo. Muito contrariado. [...] Em 16 de junho de 1957, Hosana dirigiu-se ao Colégio Santa Sofia. Onde morava dom Expedito. Para tomar satisfações. Depois de rápido bate-boca, mudou de ideia e deu-lhe três tiros na barriga. [...] Depois de ter sido excomungado, e de cumprir pena, Hosana construiu pequena capela. Onde rezava missas diárias. Sem o prazer de ver um único fiel nas suas pregações. E sem notícias de se o Senhor, por conta de tão poucas rezas, terá perdoado tão grave crime. Em 7 de novembro de 1997, com 85 anos, também Hosana foi assassinado. A golpes de porrete na cabeça. Não se sabe por quem. Nem a polícia jamais teve qualquer interesse em descobrir.

Mas nenhum desses casos teve o impacto, nem despertou tanto interesse, nem provocou tanta indignação, como o caso dos 3 canibais. Que matavam mulheres e, para se purificar, comiam suas carnes – coxas, nádegas, braços. Os restos servindo como recheios para empadas e coxinhas de galinha, vendidas nas ruas.

NOTA. Início de conto que está no livro “Grandes Crimes”, da editora Três Estrelas (Folha/SP). Lançado agora na FLIP, em Paraty.

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