quinta-feira, 7 de abril de 2022

PROJETO VIROU ALVO DE CRÍTICAS: Prefeitura de Garanhuns quer mudar Plano Diretor e transformar área rural em zona urbana, diz reportagem do Marco Zero

 


Cidade mais importante do Agreste meridional, Garanhuns tem vivido dias de disputa. O prefeito Sivaldo Albino, do PSB, pretende encaminhar para a Câmara de Vereadores dois projetos de lei que alteram como a cidade vive e é pensada. As minutas dos projetos da prefeitura ampliam a zona urbana da cidade em um raio de três quilômetros. E também regulamentam a outorga onerosa de alteração de uso, um instrumento urbanístico que não está previsto no Plano Diretor da cidade, que é de 2008, mas ainda está em vigência.

As duas alterações beneficiam principalmente grandes construções, como prédios e condomínios. Uma paisagem que cada vez se torna mais comum em Garanhuns, município que vende o turismo bucólico e a qualidade de vida como um dos seus principais atrativos.

Na prática, os projetos trazem uma quantidade imensa de alterações para a cidade e a zona rural, atingindo em cheio os pequenos e médios agricultores. A mudança de zona rural para urbana é uma das mais sensíveis, uma vez que pode tirar o trabalhador rural da sua terra. Isso porque o Plano Diretor estabelece que as atividades urbanas têm prevalência sobre as rurais. Ou seja, se quiser continuar a criar porcos ou aves, por exemplo, um criador poderá ter que enfrentar uma série de burocracias, como pedir uma licença à prefeitura e até mesmo anuência, por escrito, aos novos vizinhos residenciais.

Em uma carta denúncia assinada por mais de 70 entidades, a Rede Agreste de Agroecologia de Pernambuco (RedeAgro) afirma que a ampliação da zona urbana é expor essas terras de criadores e agricultores à especulação imobiliária. “Essas mudanças vão possibilitar a invasão e modificação do ambiente rural de Garanhuns por força da especulação imobiliária, prejudicando famílias rurais, sobretudo, comprometendo suas produções agrícolas, meio e ambientes de vida”, diz a nota.

O advogado Gustavo Carvalho está acompanhando juridicamente o assunto a pedido de professores da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE) e da vinícola Vale das Colinas. Para ele, há ilegalidades nos Projetos de Lei (PLs) que estão em desacordo com o Plano Diretor da cidade. Uma delas é sobre o parcelamento de terrenos em áreas de baixa densidade populacional, que é proibido pela atual Plano Diretor.

Esse trecho da minuta é importante para a especulação imobiliária, já que regulariza condomínios e loteamentos nesta nova zona urbana com raio de três quilômetros, prejudicando as atividades agrícolas e pecuária. “Os artigos de 75 a 79 do atual Plano Diretor fala da prevalência da atividade urbana sobre a rural. E residência é atividade urbana, por exemplo. Então mesmo estando lá antes, há anos, há décadas, um criador de porcos, por exemplo, não vai poder continuar com a criação”, afirma o advogado

Para mostrar que a vida dos agricultores e criadores não vai ser fácil com a imensa nova área urbana que a prefeitura propõe, o advogado aponta o artigo 79 do Código Sanitário do estado: “Os estábulos, cocheiras, granjas e estabelecimentos congêneres, só serão permitidos em zona rural. Parágrafo Único – A sua remoção será obrigatória, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, a critério da autoridade sanitária, quando o local se tornar núcleo de população densa”.


Outra questão que traz insegurança para esses produtores rurais são os impostos. Se no campo se paga o imposto rural, bem mais baixo do que o IPTU, a mudança de zoneamento pode levar a questão à Justiça. “É um desdobramento sem precedentes. É uma repercussão que ainda não avaliamos o impacto que vai ter. É péssimo para os agricultores”, afirma o advogado.


A RedeAgro também denuncia que não há nenhum cuidado em criar áreas de proteção ambiental ou às atividades de produção rural, independentemente do tamanho da propriedade ou da sua capacidade de produção. “Da forma como está apresentada, a alteração do uso rural pelo uso urbano poderá ser feita após o empreendedor imobiliário apresentar os documentos exigidos e realizar pagamento de taxa de outorga (permissão/concessão). Esta será uma realidade no município se o Projeto de Lei for aprovado pela maioria dos Vereadores”, diz a nota.


Sem estudos para justificar alterações

Uma crítica de organizações, urbanistas e ativistas é que a prefeitura não apresentou nenhum estudo para justificar as alterações. Não foi apresentado, por exemplo, nada que comprove o esgotamento da atual zona urbana de Garanhuns. Outra questão é que não há nenhuma diferença de zoneamentos. Nesse raio de três quilômetros por exemplo, há área quilombola demarcada, como o quilombo de Castainho. E um parque natural onde fica a nascente do rio Mundaú. A minuta do PL não traz nenhuma indicação de uso ou de restrições para os terrenos vizinhos a essas áreas.


O agronegócio é outro prejudicado. Um dos proprietários da Vinícola Vale das Colinas, a primeira a se instalar no Agreste, o empresário e médico Michel Leite, suspendeu a expansão de dez hectares do parreiral, por conta do que pode acontecer se o PL for levado adiante. A vinícola também divulgou uma carta aberta em que afirma que “trazer a cidade para o campo significa trazer o desequilíbrio ecológico tão catastrófico para nossa atividade; significa a contaminação de nossas nascentes, de nosso lençol freático, de nosso solo; significa beneficiar a especulação imobiliária em detrimento de projetos muito maiores e importantes para o nosso município e nosso povo.”


De acordo com Michel, já há sinais de especulação imobiliária na região. “Inclusive na frente da vinícola um empresário baiano comprou uma área pra fazer um condomínio vizinho à vinícola impossibilitando nossa atividade. Tem tanta certeza que será aprovada a lei que já cavou cinco poços artesianos”, afirma. “No futuro não teremos mais água para irrigar nossas parreiras, o esgoto tomará conta de tudo, não poderemos utilizar defensivos e o sonho da agricultura orgânica ficará cada vez mais distante pelos desequilíbrios causados”, lamenta.


O Plano Diretor de Garanhuns deveria ter sido revisado em 2018, pela gestão municipal anterior. Não foi. A atual gestão do PSB deu início ao processo de revisão no mês passado, mas é um percurso longo, que dura geralmente mais de um ano e meio. Nas audiências, representantes da prefeitura tentam passar a ideia de que não dá para esperar e de que a cidade precisa dessas flexibilizações antes do novo Plano Diretor entrar em vigor.


Para Luiz Tenório, representante da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape), a prefeitura está colocando o carro na frente dos bois. “Existe um rito para construção do Plano Diretor. Esses projetos de lei que a prefeitura quer propor é algo que altera completamente o Plano Diretor vigente, mas que está desatualizado desde 2018. Como a prefeitura de Garanhuns vai levar em conta as contribuições se o projeto de lei já nasce sem dialogar com a comunidade? Por lei, é preciso ouvir os conselhos e a comunidade antes de fazer uma proposição de Plano Diretor”, afirma.


A arquiteta e urbanista Lahys Barros, integrante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-PE), afirma que os movimentos querem que a prefeitura desista desses projetos de lei. E que a prioridade da gestão seja o novo Plano Diretor. “Não pode ser aprovada uma legislação em descompasso com a cidade. Essas leis vão flexibilizar construções e novos empreendimentos com um discurso de ‘sustentabilidade’, que só existe mesmo no discurso. Precisamos repensar democraticamente o que queremos para Garanhuns como cidade”, diz Lhays.

Em nota assinada pelo reitor Airon Melo, a Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE) alertou para os “riscos de se tomar decisões apressadas sobre questões complexas e de tamanha abrangência, sem a obediência aos trâmites legais exigidos pelas legislações urbanística e ambiental vigentes e ao devido planejamento”.

Uma nova outorga onerosa

Não é só a zona rural que sofrerá alterações com as propostas da prefeitura. As minutas dos projetos estabelecem também o instrumento de outorga onerosa de alteração de uso. Na prática, significa que, mediante pagamento à prefeitura, os proprietários poderão quase completamente um imóvel, do gabarito (limite de altura) à taxa de ocupação do solo (deixando menos área verde, por exemplo), passando por recuos, afastamentos e “quaisquer outros índices que possibilitem a ampliação de área construtiva”. Poderão também alterar uma construção de residencial para comercial.

Não há, na minuta, nenhuma diferenciação dos bairros ou áreas onde as construções ou reformas podem ser feitas com essas alterações. Todo o município está incluído. A documentação para essas alterações como, por exemplo, os estudos ambientais ou de vizinhança, ficam a cargo dos próprios empreiteiros. Ou seja, é praticamente entregar o planejamento da cidade para as construtoras e imobiliárias.

Acontece que esse tipo de outorga onerosa não está previsto no Plano Diretor vigente. “Existe no Estatuto da Cidade, a lei federal que criou os planos diretores, vários instrumentos urbanos. Um deles é a outorga onerosa. Mas há a outorga onerosa do direito de construir e a da alteração de uso. São duas coisas diferentes. A primeira, que promove condições para a verticalização, é a que está indicada no Plano Diretor de Garanhuns e inclusive em prática há vários anos na cidade”, diferencia a arquiteta e urbanista Mariana Braga, professora da Autarquia do Ensino Superior de Garanhuns (Aesga).

A outorga onerosa de alteração de uso, que o PL quer implementar, flexibiliza os tipos de uso. “Por exemplo, se eu disser que o uso de uma construção é estritamente residencial e alguém quiser fazer uso misto, com comércio e serviço, pode ser aplicada essa lei. Mas ela tem que estar prevista no Plano Diretor, o que não é o caso em Garanhuns”, afirma a urbanista.

O Plano Diretor serve para apresentar os princípios que norteiam os objetivos e as ações do planejamento urbanístico e social de uma cidade. Depois é que são regulamentadas as leis de ocupação do solo. “No Plano Diretor vigente estão fixados os gabaritos (limite de altura) para as zonas, as taxas de ocupação de solos, recuos do terrenos etc. O que esse projeto de lei quer fazer é alterar todos esses valores. Vamos dizer que se uma construção precisa, por exemplo, de cinco metros de afastamento de frente, o que esse PL diz é que a construção pode ocupar mais, desde que pague. Mas isso não está previsto no atual Plano Diretor de Garanhuns”, afirma. “E tudo vai valer para toda a cidade. Fizeram passando a régua, sem planejamento algum”, reclama.

A urbanista também lembra que Garanhuns é uma terra de mananciais e o projeto de lei não traz nenhuma regra ou limite sobre a capacidade dos terrenos de absorver a água da chuva. “Não podemos simplesmente aumentar irresponsavelmente a taxa de ocupação do solo. Você acaba com a possibilidade do solo de reabsorver a água, o que aumenta os problemas de falta de água e prejudica os lençóis freáticos”, diz.


Com informações  e texto do Marco Zero https://marcozero.org/

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