sábado, 12 de agosto de 2023

Justiça condena Universal do Reino de Deus a devolver mais de R$ 200 mil a fiel que doou à igreja todo o patrimônio conquistado em vida

 


A 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) condenou a Igreja Universal do Reino de Deus a devolver a uma fiel arrependida R$ 204.500 que haviam sido doados por ela na campanha arrecadatória da Fogueira Santa. O valor doado correspondente ao patrimônio total adquirido durante 30 anos de trabalho pela fiel, que é professora e recebe um salário líquido de aproximadamente R$ 1.500.


O tribunal entendeu que a mulher foi pressionada pelos pastores a doar tudo o que tinha em troca de supostas “bênçãos de Deus” e em obediência à palavra bíblica. E a como a doação “impactou a subsistência das autoras e de sua família, abarcando a totalidade de seus bens sem que fizesse reserva para sua subsistência ou de quinhão destinado à herdeira”, o valor deve ser restituído a ela.



A ação foi movida tanto pela professora quanto por sua filha, ambas representadas pela defensora pública Yasmin Oliveira Mercadante Pestana, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP).



Na inicial, é sustentado que a professora, “o marido e a filha são pessoas com parcos recursos, sem economias guardadas, o que demonstra, por si só, que as doações comprometeram a subsistência das autoras e de sua família, sobretudo nesse período de pandemia”.


Depois de doar os R$ 204 mil à Igreja Universal, a mulher afirma que “começou a consultar outras pessoas e ver outros vídeos de outros líderes religiosos, percebendo que sua fé não dependia de realizar sacrifícios que impusessem a ela e sua família uma situação de vulnerabilidade financeira”.


A posição da Igreja Universal do Reino de Deus no processo

A Igreja Universal, por sua vez, afirmou, dentre outros pontos, que é “vedado ao Poder Judiciário embaraçar a liberdade de liturgia religiosa com decisão judicial que reconheça – objetivamente – a responsabilidade civil da Igreja que exorta a entrega da oferta em campanhas espirituais” e que “a Igreja está amparada pelo legítimo exercício da liberdade de organização religiosa ao exortar, como parte de sua doutrina, a ‘doação’ como o símbolo de oferta de Deus para o ser humano a fim de que possa religar-se ao Criador, tudo com embasamento bíblico”.


“As hipóteses de arrependimento, descrença ou ABANDONO DA CONVICÇÃO RELIGIOSA –como é o caso da Autora – não convertem o motivo que levou a demandante à prática de atos durante o longo período em que frequentou os cultos (mais de 18 ANOS) em vício de consentimento e não tornam ilícita a conduta da instituição religiosa que celebra e divulga a crença na eficácia da cerimônia”, argumentou a defesa da igreja, feita pelos advogados Adriana Guimarães Guerra e Luiz Fernando Cabral Ricciarelli.


Os fundamentos da condenação da Igreja Universal pelo TJSP

O desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan, relator do caso, afirmou que embora não se desconheça a existência de discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema – tanto no sentido da possibilidade de anulação da doação, quanto em sentido contrário – “o fato é que a análise das peculiaridades do caso concreto indica que houve coação e indução” da mulher a erro por parte da Igreja Universal.


O desembargador concordou com o juiz de primeira instância quanto à afirmação de que “as diversas campanhas de doação promovidas pela ré [Igreja Universal], entre as quais a denominada Fogueira Santa, revelam-se como prática de pressão moral injustificada pelos pastores aos crentes frequentadores da Igreja Universal, mesmo porque se estimula o despojamento total de seu bens em favor da organização religiosa”.


A quantia deve ser devolvida porque ficou “suficientemente demonstrado que após a doação dos valores as autoras passaram a suportar grave crise econômica decorrente da sanha da apelante por dinheiro, cujos representantes permaneciam prometendo riquezas e bens e ilaqueando a boa-fé” da fiel.


Determinar a devolução das doações não é, afirma o desembargador, interferir na liberdade de crença, culto, ou à liberdade de prática religiosa, como alega a Igreja Universal. Na realidade, “trata-se apenas da aplicação de um controle judicial legítimo sobre atos que afrontam direitos fundamentais do ser humano, quais sejam, dignidade, boa-fé e honra”.


Não é razoável, afirma Trevisan, dispensar a uma entidade religiosa como a Igreja Universal, qualquer que seja a doutrina por ela professada, uma espécie de imunidade jurídica pelo simples fato de lidar com questões e regras espirituais.


Procurada, a Igreja Universal do Reino de Deus enviou a seguinte nota à redação:


A Igreja Universal do Reino de Deus irá recorrer da decisão ao STJ, com a absoluta certeza de que a decisão será revertida, fazendo com que a Justiça e a verdade prevaleçam.


A Universal também reforça que faz seus pedidos de oferta de acordo com a lei e dentro do exercício regular do seu direito constitucionalmente assegurado de culto e liturgia. Desta forma, exatamente em razão da liberdade religiosa, não é possível qualquer tipo de intervenção do Estado — incluindo o Poder Judiciário — na relação de um fiel com sua Igreja.


Vale lembrar que a autora desta ação é uma professora de escola pública. Uma pessoa esclarecida, bem formada e informada, que conseguiu ser aprovada em um concurso público, sendo totalmente capaz de assumir suas próprias decisões.


Além disso, tendo sido membro da Igreja por 18 anos, conhecia profundamente seus rituais litúrgicos, e jamais alegou ter sofrido qualquer tipo de “coação”.


Com informações do Portal Jota



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