|
Promotor Domingos Sávio
Foto: Carlos Eugênio |
A polêmica em torno do Projeto de Lei de iniciativa do vereador Audálio Filho, que objetiva proibir a inserção na grade curricular das escolas de Garanhuns de discussões sobre ideologia de gênero, não para de produzir novos episódios. O fato é que uma queda de braço moral e ideológica foi criada no seio da sociedade garanhuense em uma disputa travada por pessoas contra e a favor do projeto.
Os que defendem a ideia do vereador acham que as tratativas em torno desse tema competem exclusivamente à família, não cabendo à escola entrar nessa seara. Esse segmento é formado, sobretudo, por pastores, padres e pais. Já os que são contra, creem que não se pode censurar a discussão de gênero em sala de aula sob pena de que se aumente o preconceito e a discriminação, estimulando assim a violência de gênero. Esse segundo grupo, formado por professores, população LGBT, entre outros simpatizantes, ganhou um aliado de peso esta semana. É que o Ministério Público, através da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Comarca de Garanhuns, recomendou aos vereadores que rejeitem e ao prefeito Izaías Régis que vete de forma integral a proposta de Audálio, que foi aprovada em primeira votação nesta quarta, 29 de novembro, no plenário da Câmara de Vereadores por um placar de 11 votos a 1. CLIQUE AQUI E CONFIRA
|
Izaías Régis foi recomendado a vetar projeto |
A recomendação, assinada pelo promotor Domingos Sávio Pereira Agra, evoca o ECA, uma decisão liminar do ministro Luiz Roberto Barroso, outra do ministro Celso de Melo, e a própria Constituição para embasar o pedido de rejeição da proposta.
CONFIRA ABAIXO ALGUNS PONTOS QUE O MPPE LEVOU EM CONSIDERAÇÃO PARA EMITIR A RECOMENDAÇÃO
CONSIDERANDO o procedimento de número acima mencionado, em tramitação nesta Promotoria de Justiça, instaurado a partir de notícia de fato trazida pelo vereador Mário dos Santos Campos Júnior (“Marinho da Estiva”), informando que foi apresentado projeto de lei pelo vereador Audálio Ramos Filho, dispondo que “fi ca terminantemente proibido na grade curricular de ensino da rede municipal a disciplina denominada ideologia de gênero, bem como toda e qualquer disciplina que tente orientar a sexualidade dos alunos ou que tente extinguir o gênero feminino e masculino como gênero humano”, projeto que, conforme o noticiante Marinho da Estiva, tem trazido inquietação à categoria dos docentes, além de prejudicar políticas públicas para a população LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais, que sofre agressões e preconceitos;
CONSIDERANDO que, conforme amplamente noticiado na mídia local, houve audiência pública na Câmara Municipal sobre o referido projeto em 21/11/2017, estando para serem apresentados nas comissões legislativas em 28/11/2017 e na iminência de serem postos em pauta o projeto e seu substitutivo, cujo caput do artigo 1º possui teor proibitivo semelhante ao projeto original;
CONSIDERANDO as curadorias da Educação e da Infância e Juventude (interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos), dentre as atribuições desta Promotoria de Justiça estabelecidas na Resolução CPJ 02/2013 (DOE de 7/6/2013);
CONSIDERANDO que a Constituição Federal estabelece (destacamos):
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da PESSOA, seu preparo para o exercício da CIDADANIA e sua qualifi cação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
II - l iberda de de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - plural ismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
(...)”
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
CONSIDERANDO que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece (destacamos):
“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fi m de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. (incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
CONSIDERANDO que o referido projeto de lei e seu substitutivo, ao pretenderem censurar abordagens sobre gênero nas escolas, que são ambientes naturalmente destinados ao debate no estado democrático de direito, reforçam estereótipos e preconceitos contra os que não se enquadram nos padrões ditos dominantes, e que “o Supremo Tribunal Federal, no desempenho da jurisdição constitucional, tem proferido, muitas vezes, decisões de caráter nitidamente contramajoritário, em clara demonstração de que os julgamentos desta Corte Suprema, quando assim proferidos, objetivam preservar, em gesto de fi el execução dos mandamentos constitucionais, a intangibilidade de direitos, interesses e valores que identificam os grupos minoritários expostos a situações de vulnerabilidade jurídica, social, econômica ou política e que, por efeito de tal condição, tornam-se objeto de intolerância, de perseguição, de discriminação e de injusta exclusão” (decisão proferida pelo Ministro Celso de Melo em 1º/07/2011, no RE 477554)”;
CONSIDERANDO que, conforme a Resolução CNMP 164/2017, “O Ministério Público, de ofício ou mediante provocação, nos autos de inquérito civil, de procedimento administrativo ou procedimento preparatório, poderá expedir recomendação objetivando o respeito e a efetividade dos direitos e interesses que lhe incumba defender e, sendo o caso, a edição ou alteração de normas” (artigo 3º), e que “A recomendação pode ser dirigida, de maneira preventiva ou corretiva, preliminar ou defi nitiva, a qualquer pessoa, física ou jurídica, de direito público ou privado, que tenha condições de fazer ou deixar de fazer alguma coisa para salvaguardar interesses, direitos e bens de que é incumbido o Ministério Público” (artigo 4º);
CONSIDERANDO que, conforme exposto pela Procuradoria Geral da República (PGR) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 461, ao tratar de lei do Município de Paranaguá (PR), de conteúdo semelhante aos acima referidos projeto de lei e substitutivo, o ato normativo impugnado contraria dispositivos da Constituição da República concernentes ao objetivo constitucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I), ao direito a igualdade (art. 5º, caput), à vedação de censura em atividades culturais (art. 5º, IX), ao devido processo legal substantivo (art. 5º, LIV), à laicidade do estado (art. 19, I), à competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV), ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, I) e ao direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, II)”.
|
Marinho levou o caso até o MPPE |
- Após todas essas considerações, o documento do MPPE chega a sua parte final recomendando que os vereadores(as) de Garanhuns rejeitem o Projeto
de Lei 086/2017 ou substitutivo de semelhante teor proibitivo, por estes descumprem preceitos fundamentais do nosso ordenamento
jurídico
À Izaías o promotor Domingos Sávio recomendou que, caso o projeto seja aprovado, que o prefeito exerça seu papel e vete de maneira integral a proposta. De forma semelhante, o MPPE recomendou à secretária de Educação, Eliane Vilar, e aos professores da rede de ensino municipal de Garanhuns que observem, nas suas atividades laborais, os referidos mandamentos constitucionais. A recomendação é datada de 27 de novembro.